A XIV Aldeia Multiétnica teve como tema "Territórios Etnoeducativos". Ao longo de todos esses dias, convidados discutiram os desafios da educação para os povos indígenas e quilombolas e como a Aldeia Multiétnica pode contribuir para uma outra forma de educação. A partir dessas discussões, foi produzido um documento que trazemos a seguir:
MANI-FESTA ALDEIA MULTIÉTNICA
Tudo que olhamos nos mira e nos vê. Tudo que ouvimos nos escuta. Tudo que nossa pele toca nos toca. Tudo que experimentamos, nos saboreia – o território é Quem nos educa; nossos territórios ensinam. Uma educação pela árvore reconhece um sistema vivo de constante regeneração do ciclo da vida: raízes que sustentam o tronco e contam histórias; rizomas que se espraiam nas profundezas e pelos ares; raizamas que traduzem novas raízes e novos rizomas enfeixados em aberto em novas palavras.
Uma educação pelo encontro é uma educação pela árvore, como disse Alex Krahô. Como falou Edson Kaiapó, a sociedade capitalista prima pelo desenvolvimento e os povos indígenas primam pelo envolvimento. Para quem sabe ler ou não as palavras é sempre bom ler a floresta, como disse Iaiá Fiota Kalunga (com nome de batismo Deusamir).
Nessa leitura da floresta-mundo, uma semente que se capilariza pelo semear e que torna o solo mais receptivo nos leva a colher do canto do vento que canta e que sopra e espalha sementes. Deixar-se banhar da água da chuva que cai, que molha a terra e que conforta a semente para brotar e deixar-se tocar pelo sol que aquece, ilumina, desperta, vai rompendo e faz desabrochar. Deixar crescer troncos fortes e capazes de sustentar os mais altos sonhares – troncos que enfrentam a tempestade e que nos levam ao devaneio; e colher os frutos que alimentam o ciclo da vida gerando novos encontros. Encontro entre diferentes: terra e semente; água e raiz; vento e tronco e galhos; sol e folhas. Encontro que aquilomba e aldeia diferentes: comunhões entre parentes, encruzilhadas entre irmãos, travessias entre tantos mundos.
Uma vez que os impasses civilizatórios nos convocam ao reconhecimento de mudanças urgentes, eles também exigem de nós a busca por caminhos e visões que tenham a vida – toda vida – no centro.
Entender a natureza não como recurso (extrativista) é compreender o ser humano como sendo-fazendo parte de teias ancestrais e viventes. Uma educação do encontro que integre o que somos é um aprendizado pela sabedoria da vida em todas as suas formas: não ao sacrifício das outras espécies, não ao silenciamento dos diferentes saberes e dizeres, não à negação das diferentes formas de estar e viver na Terra...
A educação do encontro ritualiza a vida: honrando e celebrando suas diversas formas de manifestação. Coloca frente a frente a ciência e as cosmovisões e as convidam para gerar metodologias e caminhos que superem as dualidades entre conhecer e viver. A Aldeia Multiétnica tem na sua raiz justamente o compromisso com o encontro. É um espaço para trocas entre povos tradicionais e diálogos interculturais. O Encontro facilita e celebra o aldeamento e o aquilombamento. É nesse encontro entre rituais e cotidianos que a ancestralidade é presentificada.
Da urgência de um movimento contínuo instaura-se esse Fórum permanente de Educação Indígena e Quilombola que visa assegurar produções de políticas sociais púbicas e comunitárias. O Fórum deseja fomentar ações e conexões que subsidiem práticas educativas e comunitárias e que considerem os direitos originários e os direitos humanos – e a aplicação dos mesmos. O Fórum reafirma o espírito educativo do território constituído a partir do Encontro de Culturas e da Aldeia Multiétnica.
Aldear e aquilombar escolas e universidades é um sonho gestado ao longo de muitos anos pelos próprios originários. Convidamos todos vocês a mapear, reconhecer e a fortalecer todas as experiências indígenas e quilombolas, aprofundando o diálogo para a construção de uma educação alinhada com a cosmovisão dos povos originários.
O planeta tem Terra no nome, o Brasil tem o nome de árvore – pau-brasil – no nome e isso nos convida a entender que a ancestralidade agrega os vivos, os que de tão longe vem vindo e aqueles que ali no futuro logo estão.
Aldeia Multiétnica, 21 de julho de 2022